domingo, 27 de janeiro de 2013

A Prestação Jurisdicional no Brasil: eficiência x eficácia

A Prestação Jurisdicional no Brasil: eficiência x eficácia


Bruno Espiñeira Lemos
Advogado
Procurador do Estado da Bahia
Mestre em Direito – UFBA

Não é de hoje que se discute a qualidade, a eficiência e a eficácia da prestação jurisdicional no Brasil. Tem-se na ordem do dia, por exemplo, a discussão sobre a extensão dos poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), discute-se a necessidade do aumento do número de ministros no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a criação de novos Tribunais Regionais Federais (TRFs), debate-se a reforma ou criação de um novo Código de Processo Civil (CPC) e no atual momento eu ousaria nominar outro elemento que merece debate que, quer se queira ou não, auxilia no retardamento da prestação jurisdicional, qual seja, a demora do presidente da República em nomear magistrados que passam por seu crivo de escolha.
Rapidamente, quanto ao CNJ, não posso imaginar que ainda existam vozes que discordem da sua importância e relevância no atual cenário republicano, na pavimentação de caminhos para uma melhor prestação jurisdicional. Aliás, corporativismos à parte, difícil não concluir que se trata o CNJ de uma das melhores, senão, o melhor invento aprovado pelo constituinte reformador, cuja atuação maiúscula, jamais se poderia cogitar ser aparada rumo a uma “competência” subsidiária diante da atuação das corregedorias dos tribunais. Isso representaria retrocesso inaceitável.
Quanto ao aumento do número de ministros no STJ, embora me pareça um debate que ainda possa amadurecer, inclino-me no sentido de que tal aumento se faz necessário.
Atinente à criação de novos TRFs, em especial, um desmembramento da competência do TRF da 1ª Região, me parece medida necessária, para não dizer crucial.
No que diz respeito à reforma ou elaboração de um novo CPC, os debates em torno da questão são normalmente profícuos, pois nos ajudam a reinventar-nos e quiçá, melhorarmos enquanto operadores do Direito, todavia, sempre guardo reservas quando o foco principal passa a se direcionar de maneira monocórdia ao tema dos recursos processuais, vistos como os “vilões” ou principal motivo da morosidade da prestação jurisdicional, jamais sendo observados sob a ótica de se constituírem em um dos importantes meios de exercício da ampla defesa a ser disponibilizado ao jurisdicionado.
Aliás, essa perspectiva negativa dos recursos, quase sempre imputável ao magistrado sonolento que atribui ao advogado os excessos que retardam as lides, merece a crítica perspicaz de Calamandrei, para quem, sem os advogados, “… não haveria mais, no processo, as sutilezas inventadas pelos leguleios; não haveria mais questões de competência, nem apelações, nem recursos em cassação. Se não fossem os advogados, a justiça se desenrolaria pacatamente, com espírito paterno e patriarcal… E assim por diante, até o incauto orador decidir-se a deixar seus juízes irem almoçar”.
Bons ventos soprarão quando os reformadores lembrarem que, mais importante do que os “recursos processuais” é a boa gestão dos tribunais e mesmo o investimento de “recursos financeiros” na máquina judiciária, na sua estrutura e no seu pessoal de apoio. Na minha modesta percepção, sem esse enfoque, se enfraquece qualquer “legitimação” reformadora que não substancial resida no âmbito meramente formal.
Instado certa feita a opinar, na condição de membro da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB, sobre a questão do aumento do número de ministros do STJ destaquei que a prestação plena da jurisdição, com a “razoável duração do processo”, possui hoje assento constitucional no Brasil, na topologia dos direitos e garantias fundamentais, portanto, categorização de um direito fundamental a merecer em toda a sua dimensão e extensão a proteção do Estado, sendo a nova redação do art. 5°, com a introdução do seu inciso LXXVIII, da Carta Maior, fruto de evolução da sociedade.
Ponderei ainda naquela ocasião, o que repito agora, quanto aos obstáculos orçamentários (destina-se ao sistema de Justiça do País, segundo dados do CNJ, 1,12% do PIB), na lição de Ferrajoli, as instituições políticas, começando pelo Estado, não são sociedades comerciais com fins de lucro. O crescimento econômico e a produção da riqueza não são fins, nem muito menos seus parâmetros de legitimidade. Certamente é verdade que os direitos fundamentais custam, assim como, também é certo que custam ainda mais, também no plano econômico, suas violações e inobservâncias. Este é um fato geralmente ignorado. Comumente, o desenvolvimento econômico vai associado, na ideologia liberal, ao exercício somente dos direitos civis de propriedade e de livre iniciativa. Só o mercado seria, graças à perspectiva dos benefícios, um fator de produção de riqueza. Todavia essa é uma visão restrita das causas do desenvolvimento, como aquela que mede o crescimento apenas em função do produto interno bruto.
Ainda na senda do raciocínio empreendido por Ferrajoli, quando cita Amartya, fica demonstrado que todas as liberdades fundamentais representam outros fatores do desenvolvimento e do bem-estar e da produção, dado que servem para promover as chamadas capacidades fundamentais da pessoa. Por exemplo, sem liberdade de imprensa e sem democracia política não se tem controle sobre o correto exercício dos poderes públicos. Sem liberdade de pensamento e expressão não se tem pesquisa nem desenvolvimento intelectual, cultural e tecnológico. Sem garantia das liberdades civis e pessoais não se tem sequer iniciativa econômica, nem segurança nos mercados e nos investimentos.
Sustento, pois, que a racionalidade econômico-formal weberiana, no caso, daqueles que se aliam ao argumento unicamente orçamentário para barrar os investimentos no sistema de justiça, deve dar lugar à ideia de racionalidade material ou substancial de Celso Furtado, em matéria de interesses sociais relevantes, que se mesclam aqui com os direitos fundamentais.
Como se pode notar, esses e outros debates merecem todo o espaço destacado em qualquer democracia em sua eterna e inconclusa busca por uma desejada síntese dialética. Acrescento apenas uma pitada nova na discussão: Não se sabe ao certo a razão da demora, além, certamente, da busca por uma melhor escolha, da presidente da República em nomear os magistrados, cujas listas tríplices lhes são constitucionalmente atribuídas para escolha.
Explica-se melhor, padecem na mesa presidencial dezenas e dezenas de listas para nomeação em TREs, TRTs e TRFs de todos os cantos e regiões do País, aliás, também padece uma lista do próprio STJ, e, até recentemente, também se viveu essa angústia no STF. Nossa presidenta, a quem tanto admiro e respeito e que decerto possui outras tantas importantes e densas atribuições diante da magnitude das suas funções, poderia nos brindar com mais essa cota de contribuição com a prestação jurisdicional célere no Brasil, observando uma “razoável duração do processo” de escolha dos magistrados que lhe compete selecionar.

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