quarta-feira, 3 de julho de 2013

UMA LEITURA SOB O PRISMA JURÍDICO REFERENTE ÀS QUESTÕES DO ABORTO

Muriele da Silva Primo
Graduanda em Direito pela Faculdade Marechal Rondon (FMR).

RESUMO: O artigo em questão apresenta um estudo sobre os aspectos jurídicos relevantes à temática do aborto, tem como escopo observar o tratamento dado a prática do aborto em nosso ordenamento jurídico, tanto no âmbito penal, como também no âmbito civil, além de tratar da inviolabilidade do direito à vida, direito este, assegurado por nossa Constituição Federal em seu art. 5°, caput.
O aborto, além de ser uma questão polêmica, gera uma imensa discussão, não só na ciência jurídica, mas também dentro da ciência médica, abrangendo ainda toda a sociedade e sofrendo grande impacto da opinião religiosa.
Importante mencionar, que o intuito do trabalho não é tomar partido contrário ao aborto, muito menos favorável a legalização deste em nosso Estado, mas tão só apresentá-lo de forma sucinta, mostrando ao leitor os principais argumentos prós e contras, analisando-os de forma crítica.

PALAVRAS-CHAVE: Aborto. Direito à vida. Dignidade da pessoa humana. Crime contra a vida.

SUMÁRIO:

1.     Considerações iniciais

2.     Desenvolvimento

2.1.                      Noções introdutórias ao tema
2.2.                      Teoria da concepção x teoria da nidação
2.3.                      A vida como direito inviolável e o princípio do primado
2.4.                      A dignidade da pessoa humana em relação ao aborto
3.     O aborto e suas classificações
3.1.                      O aborto legal sob o prisma da lei
3.2.                      O aborto ilegal sob o prisma da lei
4.     Considerações finais
5.     Referências bibliográficas

1.     CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho busca apresentar os principais aspectos que envolvem a temática do aborto.
O estudo desenvolve-se em cima de várias questões importantes referentes à temática abordada, sendo que inicialmente procura expor uma breve noção introdutória conceituando o assunto e levando em consideração, de forma sucinta, o contexto histórico por trás da temática, além de apresentar o tratamento dado pelo Ordenamento Jurídico brasileiro à prática do aborto.
A seguir expõe sobre a questão referente ao inicio da vida, tal indagação sobre o momento em que se inicia a existência humana é de suma importância para caracterizar o aborto como um crime contra a vida. Trás ainda, a discussão do direito à vida como direito inviolável, garantido por nossa Constituição Federal.
Mais adiante, busca classificar o aborto em suas modalidades, levando em consideração o seu objeto, a causa que o provoca, o seu elemento subjetivo e a finalidade pelo qual é pretendido.
Por fim, o estudo tem a pretensão de abordar as discussões que geram controvérsias de opiniões em relação à prática do aborto tanto criminoso quanto legal, utilizando uma visão sob o prisma jurídico, como por exemplo, as questões que giram em torno da exclusão da punibilidade do aborto nos casos previstos no art. 128 do CP, da responsabilidade penal prevista ao terceiro que provoca o aborto na gestante com ou sem o seu consentimento e em qual infração incorre a mulher grávida que provoca em si ou consente que lhe provoquem o aborto.

2.     Desenvolvimento

2.1.                      NOÇÕES INTRODUTÓRIAS AO TEMA

A etimologia da palavra aborto vem da expressão em latim abortus, do qual ab significa privar e ortus, nascer, sendo assim, quer dizer privação do nascimento. Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, "O aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo, embrião, ou feto, não implicando necessariamente a sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsolvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver no caso o aborto.".
O aborto é uma prática milenar, realizada desde os primórdios da humanidade. Seus primeiros registros, são constatados durante o século XXVIII a.C. na região onde se localiza atualmente a China. Todos nós sabemos que o aborto na China é uma prática descriminalizada, utilizada como controle demográfico dessa sociedade, da qual o governo mantém clínicas especializadas para a realização da interrupção da gravidez.
As práticas abortivas são permitidas em vários países, podemos citar como exemplo os Estados Unidos, a França, a Rússia e a Holanda. O Brasil por sua vez, não permite a realização do aborto, o nosso Ordenamento Jurídico condena a prática (art. 124 a 127 do CP), porém abre exceção (art. 128 do CP, incisos I e II), não punindo quando realizada por médico se não houver outro meio de salvar a vida da gestante e se, a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Todavia, recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu permitir também a interrupção da gravidez em casos de anencefalia (quando não ocorre a formação do cérebro do feto).
Importante enfatizar que o aborto encontra-se no rol dos crimes contra a vida, entretanto, há controvérsias referentes ao momento em que se inicia a vida humana, pois a ciência ainda não conseguiu definir com precisão qual o momento exato do início da vida, ficando assim um tanto quanto delicado a discussão sobre a interrupção da gravidez. A determinação do inicio da vida é de suma importância para caracterizar o aborto como prática ilícita. Segundo o ponto de vista de Busato (2004), se não há vida não podemos considerar o aborto como um delito doloso contra a vida. Portanto, é necessário que haja vida, senão não há violação do direito à vida.

2.2.                      TEORIA DA CONCEPÇÃO X TEORIA DA NIDAÇÃO

Segundo Ayres Britto, "à luz da Constituição não há definição do início de vida, nem à luz do Código Penal. É meio estranho criminalizar o aborto sem a definição de quando começa essa vida humana.".
Como o inicio da vida ainda é uma questão complexa ao homem, existem algumas teorias, entre as que se destacam estão a teoria da concepção e a teoria da nidação.
Diante da teoria da concepção, o inicio da vida se dá no momento da fecundação (encontro do óvulo com o espermatozóide), sendo assim, todo e qualquer tipo de contraceptivo cuja eficácia seja verificada após a fecundação será considerado meio abortivo.
Já para a teoria da nidação, segundo os estudos de Verônica Santos Bento, o início da vida é verificado no momento em que o embrião é implantado na parede do útero, ou seja, de quatro a seis dias após a fecundação. Esta teoria tem como principal argumento a formação de gêmeos monozigóticos, os quais se originam de um único óvulo fecundado, se dividindo somente após a sua fixação no útero, ou seja, só existiria vida após a nidação. Sob esse aspecto, todas as técnicas praticadas antes da fase da nidação são consideradas contraceptivas e não abortivas.
Para Maria Helena Diniz (2006:23), a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção. O nosso atual Código Civil adota a teoria da concepção, dando amparo jurídico à vida humana desde o momento da fecundação, trás expresso em seu art. 2°: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.
Observação interessante a se fazer é que o nosso ordenamento jurídico adota a teoria da concepção, entretanto permite a livre comercialização da pílula do dia seguinte que age até quarenta e oito horas após a relação sexual, impedindo a fixação do óvulo fecundado na parede do útero considerando-a como um método contraceptivo, o mesmo ocorre com o DIU (dispositivo intrauterino), também é equivocadamente considerado um método contraceptivo, entretanto, tal método consiste em um pequeno objeto com alças que é colocado na cavidade uterina, impedindo que o embrião se fixe no endométrio. Se seguirmos a teoria da concepção a utilização desses meios contraceptivos seriam nada mais do que meios abortivos.

2.3.                      A VIDA COMO DIREITO INVIOLÁVEL E O PRINCIPIO DO PRIMADO

O direito à vida possui ubiquidade, ele é um direito inerente à pessoa humana, tanto é que a nossa Constituição Federal assegura em seu art. 5° aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, é cláusula pétrea, sendo assim não há possibilidade de legalização do aborto. O aborto é um crime contra a vida, permiti-lo é ferir a nossa Carta Magna.
A vida é um bem jurídico prioritário, deve prevalecer sobre qualquer outro, entretanto pode ocorrer conflito entre o direito à vida e outros direitos, nesses casos, é necessário valer-se do princípio do primado do mais relevante, perguntando-se se o bem jurídico tutelado em conflito com o direito à vida é mais primordial que a vida, para só assim então violá-lo. A vida é um direito fundamental intocável e inalienável, qualquer método utilizado para a destruição do produto da concepção é um assassinato. Para Lenise Garcia, “não existe aborto sem morte, o aborto é morte por definição.”.

2.4.                      A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM RELAÇÃO AO ABORTO

Qual relação existiria entre o princípio da dignidade da pessoa humana, que é essa luz que paira sobre o direito e as questões referentes ao aborto? A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental elencado no preâmbulo da Constituição Federal (art. 1°, III da CF), entretanto revela grande complexidade devido a sua polissemia, diante da dificuldade de determinar o que seria digno ao homem somos levados a refletir se seria justo permitir a violação do direito à vida para defender o valor dignidade? Acreditamos que não, se buscarmos o entendimento de Heidegger a respeito da dignidade da pessoa humana, verá que ele tem o indivíduo como ser insubstituível, condenar precocemente um ser à morte é impedi-lo de possuir uma única e insubstituível história de vida.
Entretanto, não a dúvida que existe uma inevitável colisão entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida quando tratamos do aborto em caso de gravidez decorrente de estupro e referente a feto anencefálico. Alexandre de Moraes entende que a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, mas como esse valor espiritual e moral pode influir tanto, a ponto de ceifar uma vida?
A verdade é que, enquanto o nascituro tem como defesa e proteção o direito à vida, a gestante por sua vez, encontra amparo no princípio da dignidade da pessoa humana, esse valor tem como função assegurar a proteção dos seus valores íntimos, cada individuo em sua particularidade possui um parâmetro do que seja digno e indigno a ela, o que fere a moral é totalmente intimo e relativo a cada um. Zelar pela dignidade da pessoa humana é um dever do Estado, não se trata de sopesar um direito ou outro, mas de buscar diante de um caso concreto a melhor solução, pois de nada vale uma vida se não houver dignidade para vivê-la.

3.     O ABORTO E SUAS CLASSIFICAÇÕES

O aborto possui várias modalidades, sendo necessário conhecê-las para podermos dar continuidade a discussão referente à temática, passemos então, a tratar de cada uma delas.
Quanto ao seu objeto, o aborto poderá ser: ovular, quando ocorre até a 8° semana da gestação; embrionário, se acontecer até a 15° semana de vida intrauterina ou fetal, se ocorrer após a 15° semana da gestação.
Já quanto à causa que o provoca, podemos classificá-lo em: espontâneo, quando há interrupção natural ou não intencional da gravidez; acidental, ocasional ou circunstancial, quando circunstâncias externas contribuem para a interrupção da gravidez, por exemplo, o aborto resultante de uma queda da gestante. E por fim, o aborto provocado, que tem como único intuito induzir ao aborto, ou seja, é aquele que ocorre de maneira proposital, através de métodos ou técnicas que levam à morte do produto da concepção. Este por sua vez, pode ser: legal ou criminoso.
Em relação ao elemento subjetivo, o mesmo pode ser: sofrido, quando não há o consentimento da gestante, sendo está vítima, podendo o agente ser condenado de 3 a 10 anos de reclusão (art. 125 do CP); consentido, quando autorizado pela gestante, neste caso sendo também responsabilizada penalmente por sua conduta (art. 124 do CP), podendo ser condenada de 1 a 3 anos de detenção, enquanto o agente responde pelo art. 126 do CP, sendo condenado de 1 a 4 anos de reclusão; e procurado, sendo neste caso, a gestante o agente principal. Por ora, não nos prolongaremos discutindo sobre as sanções penais, tal assunto será tratado mais adiante.
No que se refere à finalidade, o aborto pode ser classificado em: terapêutico, podendo ainda ser necessário (quando realizado para salvar a vida da mãe), o aborto necessário é permitido pelo nosso ordenamento (art. 128, inciso I do CP) ou para evitar enfermidade grave (quando há a possibilidade de risco grave ou perigo iminente à saúde da gestante), este por sua vez, não é autorizado por nossa legislação. Ainda nos referindo à finalidade do aborto, este pode ser sentimental, quando a gravidez é resultado de estupro, este tipo de aborto também é admitido por lei (art. 128, inciso II do CP); eugênico, é o realizado quando há suspeita de que o nascituro possui alguma doença congênita, anomalias físico-mentais graves, como microcefalia, mongolismo ou demência, por exemplo, ou quando possui sexo indesejado, esse tipo de aborto tem como escopo o aperfeiçoamento da raça humana. É punido pela legislação penal, com exceção aos casos de anencefalia. Há também o econômico, realizado quando os genitores não possuem recursos financeiros suficientes para assegurar a subsistência do ser gerado; assim como também há o por motivo estético, quando a gestante não quer ocasionar em seu corpo deformidades devido à gravidez e por fim, o honoris causa, praticado quando a gestante tem como finalidade ocultar a gravidez da sociedade, visando preservar a honra, evitar o escândalo e manter a sua reputação, geralmente é praticado por gestante solteira ou por mulher que engravidou em relacionamento fora do casamento.

3.1.                      O ABORTO LEGAL SOB O PRISMA DA LEI

O aborto é de fato uma prática criminosa no Brasil, não há o que se questionar em relação ao bem jurídico tutelado, ele nada mais é do que um crime contra a vida, não zelar pela vida é ir contra a nossa Constituição, mãe de todas as leis, a vida é garantia fundamental, tem amparo jurídico desde o momento da concepção, como pode um Ordenamento Jurídico que não permite nem mesmo ao próprio titular do direito à vida dar fim a sua existência, permitir que outrem decida a respeito do direito de nascer de um ser que nem mesmo pode clamar por seus direitos?
Legalizar a prática do aborto seria contradizer os dizeres expressos de nossa Constituição Federal, um Ordenamento que não permite a pena de morte ao criminoso (art. 5°, inciso XLVII, alínea a da CF), não pode condenar a morte um ser que nem ao menos cometeu crime algum, isso seria contradizer-se, tornar a vida que é um bem inviolável, violável. Nenhuma vida tem mais valor que a outra.
Entretanto, o mesmo Ordenamento que prevê a vida como direito constitucional inviolável, incoerentemente admite em seu sistema jurídico que se interrompa a gravidez decorrente de estupro, em caso de anencefalia e se não há outro meio para salvar a vida da gestante. Então como pode haver luta pela proteção dos direitos humanos se não há respeito à vida de um ser humano indefeso e inocente?
A exegese do art. 128 do CP, ao dispor que não se pune o aborto realizado nas hipóteses acima já citadas, não está descriminalizando o abortamento nesses casos excepcionais, mas sim despenalizando-o. Não há pena sem crime, mas pode haver crime sem pena, ante o disposto nos arts. 23, 121 § 5° e 181 do CP. Trata-se de isenção de pena, escusa absolutória ou perdão legislativo, em que a lei, por motivo de política criminal afasta a punibilidade, Diniz (2006:59).
É do direito à vida que emanam todos os outros direitos, porém se o direito a vida é inviolável e absoluto, como fica a ilicitude do aborto se a lei exclui a punibilidade do aborto quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante, se a gravidez resulta de estupro e mais recentemente em caso de anencefalia? Para Silva e Godoy, questiona-se a priori, se o direito à vida é inviolável, constitucionalmente tutelado, se este direito é o mais fundamental dos direitos e até onde vai o poder do Estado para prever exceções a essa inviolabilidade, segundo eles, qualquer prática do aborto seria uma flagrante inconstitucional, seria infringir o art. 5º, inciso XLV da CF, que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Seria também violar o art. 227 da CF que dispõe: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente com absoluta prioridade, o direito à vida”. Permitir o aborto também viola normas infraconstitucionais, como o art. 2° do Código Civil que “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” e o art. 7º do ECA (Lei 8069/90), que diz: “A criança e o adolescente tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação da políticas públicas, que permitam o seu nascimento”. Diante do entendimento de Silva e Godoy, a exclusão da ilicitude do aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante faz-se acertadamente, pois o bem jurídico que se procura tutelar nesse caso é a vida da gestante, entretanto, nesse caso, ao mesmo tempo em que se salva uma vida outra vida é tirada. Mas teria a vida da mãe mais valor que a vida da criança? Segundo os estudos de Silva e Godoy, os bens jurídicos são de igual valor, porém se prioriza pela vida da mãe, pois esta já goza de todos os outros direitos, tem família e uma vida formada em sociedade. Priorizar a vida do nascituro nesse caso seria ocasionar prejuízos maiores. Em contrapartida, Maria Helena Diniz, em sua obra O estado atual do biodireito, faz uma importante observação, segundo a doutrinadora o aborto necessário seria uma figura anômala no Código Penal em face das modernas conquistas tecnológicas, pois com o avanço da medicina nos dias atuais, o aborto com o intuito de salvar a vida da mãe seria desnecessário, já que atualmente temos recursos avançados que possibilitam resguardar a vida da gestante e a do feto. É preciso preservar a vida da mãe e a do feto, pois ambas merecem respeito. Tal observação remete-nos as palavras de Tourinho (2004), que diz: “o Direito não é, nem pode ser estático, não é, nem pode ser contemplativo de uma realidade que passou, ignorando os avanços da ciência”. Todavia, é válido questionarmos se na situação caótica em que se encontra a saúde brasileira, tais avanços da medicina seriam acessíveis a todas as camadas sociais, acreditamos que não.
Já quanto à despenalização do aborto em caso de gravidez decorrente de estupro, devemos discutir com mais cautela, pois nesse caso não há apenas a questão da defesa à vida, o estupro é uma violência irremediável e irreparável à mulher que o sofre, tanto é, que a prática do estupro consiste em crime hediondo (art. 1°, inciso V da Lei n° 8.072/90), o estuprador gera repúdio à sociedade. Segundo os estudos de Silva e Godoy, o estupro consiste em uma prática extremamente dolorosa à vítima, gerando vários problemas de ordem psicológica, moral e até social, mas o recurso ao aborto não constitui solução, pois somente consiste em outra brutal violência. Não o evitaria a crueldade já praticada e nem mesmo seria reparada com o sacrifício de um ser inocente. Para Luis Régis Prado, no aborto sentimental ou humanitário o mal causado é maior do que aquele que se pretende evitar, tenta-se defender o direito que a mulher têm sobre seu próprio corpo, sobre sua liberdade sexual, porém cabe-nos a indagação: tal liberdade é grande o suficiente a ponto de ser capaz de suprimir o direito que um feto tem de viver? Silva e Godoy compartilham da opinião de que o aborto é um crime contra a vida, já o estupro é um crime contra a liberdade sexual da vítima, que trás duras consequências, porém não necessita de mais uma; a morte de uma vida inocente.
Assim como é admitido por lei a interrupção da gravidez devido a aborto necessário e em caso de gravidez decorrente de estupro, o Supremo Tribunal Federal decidiu – em abril de 2012 - permitir a interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Esta patologia ocorre quando não acontece a formação do cérebro no feto, consequentemente a vida extrauterina se torna inexequível, pois o que mantém o feto vivo é o organismo da genitora, entretanto, muito se discutiu sobre a questão, gerando em toda a sociedade grande polêmica. Letícia Alvares defende que a gestante deve ter liberdade de escolha pela interrupção ou não da gestação em caso de anencefalia, já que se trata de um ser desprovido de vida. Para ela, a mulher jamais deve ser obrigada a levar a termo uma gestação que se sabe, desde o início, infrutífera, atuando como "caixão ambulante”, pois isto constitui prática de tortura, além, de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo o ponto de vista de Busato (2004), no caso de anencefalia não há atividade cerebral, consequentemente não há vida, sendo assim, se não há vida não podemos considerar esse tipo de aborto como um delito doloso contra a vida. Além do mais, os danos psicológicos causados a gestante são mais relevantes e de extrema importância e pesam em sua argumentação, já que prioriza a saúde da mãe e não as razões morais. Já se observarmos a argumentação de Queiroz e Brigagão (2007), perceberemos que diante do respeito ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, o direito à vida deve ser garantido tanto à gestante quanto ao feto, tendo em vista que se encontram no mesmo patamar, além de complementarem com as seguintes observações referentes ao respeito à saúde, vontade e bem-estar da gestante, tanto físico quanto psíquico, que a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso III, diz que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Luiz Roberto Barroso, também é a favor da interrupção da gestação no caso de feto anencefálico, pois segundo o mesmo, há violação da dignidade da condição feminina quando obriga a mulher a carregar um feto natimorto, em seu entendimento.

3.2.                      O ABORTO ILEGAL SOB O PRISMA DA LEI

Com exceção aos casos autorizados por lei, todo e qualquer outro tipo de aborto provocado é crime, independentemente de ser sofrido, consentido ou procurado. Tanto o aborto terapêutico com o intuito de preservar a saúde da gestante ou eugênico - com exceção do feto portador de má formação cerebral - que é praticado com o escopo de aperfeiçoar a raça humana, como também o realizado devido a motivos econômicos, estéticos ou por causa da honra são de fato condutas ilegais.
Segundo Maria Helena Diniz, o aborto criminoso consiste na interrupção, vedada por lei, da vida intrauterina, em qualquer de suas fases evolutivas, haja ou não a expulsão do produto da concepção do ventre materno. Tal crime poderá ser doloso ou preterdoloso, admitindo-se ainda a modalidade culposa.
Será dolosa a conduta quando houver a intenção de interromper o ciclo gravídico, podendo o agente incorrer nas seguintes modalidades criminosas apresentadas pelo nosso Código Penal: art. 124 do CP, quando o aborto for praticado pela gestante (autoaborto) ou consentido por ela a pena será de detenção de 1 a 3 anos, independentemente de a mesma ser autora (autoaborto) ou co-partícipe (quando consenti a prática). Já o terceiro que pratica o aborto com a anuência da gestante incorre no art. 126 do CP, podendo ser condenado de 1 a 4 anos de reclusão, independentemente de ser autor (o que pratica o crime) ou co-partícipe (instigar ou auxiliar o aborto), podendo ainda o terceiro responder pelo art. 125 do CP, quando pratica o aborto sem o consentimento da gestante, neste caso a pena aumenta, de 3 a 10 anos de reclusão. A pena atribuída ao art. 125 do CP pode também ser aplicada quando o terceiro pratica abortamento em gestante com idade inferior a 14 anos, ou é alienada ou débil mental, sendo ainda aplicada se o consentimento da gestante decorreu de fraude, grave ameaça ou violência (art. 126 do CP, parágrafo único). Já o art. 127 do CP trás a forma qualificada, no qual as penas dos arts, 125 e 126 do CP podem ser aumentadas em um terço se em consequência do aborto ou devido aos métodos empregados para provocá-lo a gestante sofrer lesão corporal grave; e duplicadas se devida às mesmas causas a gestante vier a morrer.
Há também o preterdoloso, que se dá quando a conduta dolosa do agente (p. ex. marido que agride a mulher) produz resultado mais grave do que o desejado (ocasiona aborto), nesses casos há dolo na conduta antecedente, porém há culpa na conduta consequente, pois a intenção não era lhe provocar o aborto. Nesses tipos de crime o agente não assume o risco de produzir o resultado mais grave, todavia este acaba sobrevindo por sua culpa. Este tipo de aborto está configurado no art. 129, § 2°, V do CP (lesão corporal grave resultando em aborto), podendo o agente sofrer reclusão de 2 a 8 anos.
A modalidade culposa refere-se à interrupção não intencional da gestação, decorrente de negligencia, imperícia ou imprudência, pode gerar responsabilidade civil, entretanto não gera sanção penal, já que o parágrafo único do art. 18 do CP dispõe que, salvo os casos expressos em lei, ninguém será punido por fato previsto como crime, senão o praticar dolosamente.
Vale ainda ressaltar que a indústria ilegal do aborto gera grande preocupação na sociedade. Há as chamadas “casas dos anjinhos” – clínicas clandestinas do aborto – que efetuam a prática do aborto sem a autorização ou o conhecimento das autoridades competentes. Além do mais, é muito comum a utilização de remédios contrabandeados que provocam a interrupção da gravidez, assim como também é comum a procura de intervenções cirúrgicas perigosos, oferecida de forma inapropriada. Tais cirurgias realizadas no mercado clandestino do aborto oferecem riscos gravíssimos a gestante, sem mencionar que se trata de métodos cruéis, que além de provocarem a morte do feto, geram danos irreparáveis a saúde de quem os procura, isso quando não ocasiona a morte da mulher que se submete à esses meios.


4.     Considerações Finais

Diante do exposto no decorrer do trabalho foi possível concluir que a problemática do aborto não só causa grande preocupação em toda a sociedade, como também deve ser observada com mais cautela, já que se trata de um crime que viola o mais importante dos bens jurídicos tutelados, a vida, bem este do qual emanam todos os outros direitos.
Segundo a análise apresentada, vimos que a grande indagação dos estudiosos do assunto seria o momento em que se dá o inicio da vida, entretanto a ciência ainda não encontrou êxito na resposta, cabendo a nós apenas teorias, que de fato geram certo conflito. Nós, assim como Ordenamento Jurídico adotamos a teoria da concepção.
Interessante salientar, que o incomodo maior ao tratar da questão do interrompimento da gestação é de fato a inviolabilidade do direito à vida, como pode um direito inviolável, tido como cláusula pétrea de nossa Carta Magna tornar-se objeto de discussão? Ser negociado como um bem qualquer? Teria a vida perdido o seu valor? Além do mais, se a vida é o bem jurídico mais relevante, do qual emanam todos os demais direitos, por que haveria a necessidade de avaliá-lo diante de outros bens jurídicos, utilizando-se do princípio da primazia? Realmente, a vida já não tem mais valor!
Quanto ao aborto legal podemos dizer que a legislação tem como intuito, em casos excepcionais, extinguir a punibilidade da conduta criminosa, com isso deixa-se claro que o aborto é um crime, crime este que atenta contra a vida, e o pior que sempre é a vida de um indefeso.  Em geral, as hipóteses em que se permite o aborto são uma tentativa de amenizar não só o problema, mas também o sofrimento da situação. Vale lembrar, que nesses casos não há nada que possa diminuir o dano psicológico ocasionado tanto na vítima de estupro quanto na mulher que gera um feto anencéfalo, ocorrendo até em alguns casos um abalo muito maior.
De modo geral, o aborto é ato criminoso, constitui o capítulo dos crimes contra a vida no Código Penal, possui penas severas ao infrator. A questão da interrupção da gravidez gera em toda sociedade revolta, além de ser um problema social, pois a indústria clandestina do aborto atinge grande parte da população carente. Entretanto, o aborto não é apenas uma realidade da população mais pobre, muitas mulheres com situações econômicas elevadas também procuram por esse serviço ilegal. De todo modo, importante citar que a questão é polêmica e envolve críticas religiosas, além de ser presente em nosso cotidiano.
Desse modo, a partir da formação de entendimentos adquiridos com a realização do trabalho, ultimamos que o aborto não é a melhor solução, ele consiste na violação de um direito que é garantia fundamental. Sendo ainda, importante ressaltar que as três hipóteses que autorizam o interrompimento da gravidez em nossa legislação não resolvem e nem reparam dano algum a genitora da vida ceifada, apenas punem um inocente que em todos os casos é tão vítima quanto à mãe. 

5.     Referências Bibliográficas

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